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4.1.05

Sequeira Costa 

O meu pai ensinou-me a admirar Sequeira Costa, "um grande pianista", "aluno de Vianna da Motta", desde pequeno que comecei a ir a concertos deste pianista, a solo ou com orquestra. Gulbenkian, festivais variados, sempre que aparecia Sequeira Costa lá ia eu, primeiro com o meu pai, depois por iniciativa própria.
Concertos de Beethoven, anos de peregrinação de Liszt, lá estava eu a comprar bilhetes nas filas da abertura das bilheteiras no início dos festivais ou nas intermináveis bichas do início de temporada da Fundação Gulbenkian. Sempre gastando os tostões da mesada em séries intermináveis de concertos ou assinaturas. Uma vez vi Sequeira Costa no Marquês de Pombal e não resisiti a pedir-lhe um autógrafo, teria uns 11 ou 12 anos.
Já andava na Faculdade, mal pude conter a minha impaciência para escutar Sequeira Costa, mais uma vez, no quinto de Beethoven, Fundação Calouste Gulbenkian. O meu concerto preferido nessa altura, do soberano mestre Beethoven. Algum tempo antes tinha escutado "La Vallée d'Obermann" por Sequeira Costa, que me tinha soado um pouco mal, mas não liguei. No dia do concerto foi com prazer que vi entrar o pianista, com o seu meio sorriso pré concertante e sentar-se no banco.
Depois foi a desilusão total, um tremendíssimo balde de água fria, uma interpretação de menino de conservatório não teria sido pior. Com as notas trocadas fazia-se outro concerto de um qualquer compositor contemporâneo. Uma interpretação fraquíssima e aflitíssima. Foi a queda de um sonho de criança. Jurei nunca mais assistir a um concerto de Sequeira Costa, em que circunstância fosse.
Dezoito anos passados continuo a cumprir a minha promessa. Nunca mais assisti a um concerto de Sequeira Costa, nunca mais abri um disco desse pianista, e tinha vários em vinil. Nunca mais comprei um disco.
O público nesse concerto, lembro-o como se fosse hoje, entrou em delírio, urravam-se bravos e pediam-se extras. Nunca soube se Sequeira Costa deu algum extra, saí da sala antes das palmas acabarem.

Não sei se fiz bem, se não terá sido um problema momentâneo, do qual o pianista recuperou. Não sei se perdi momentos sublimes desde então, disse apenas adeus ao aluno do rigoroso e profissional Vianna da Motta. Hoje dizem-nos, no Diário de Notícias, que os discos, de Sequeira Costa, com as sonatas de Beethoven podem ser uma espécie de testamento musical, que o senhor vai fazer, ou fez, 76 anos! Como se isso significasse que vai morrer amanhã. Não sei se é verdade, não ouvi, não vou ouvir.

Continuo sem saber se fiz bem em continuar a cumprir a minha promessa tantos anos volvidos. Neste momento Sequeira Costa toca na Gulbenkian e eu estou em casa a escrever isto... Há momentos que nunca voltarão e é melhor que assim fiquem, calmamente deixados numa memória que se vai apagando.


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